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terça-feira, 17 de abril de 2012

Reflexões sobre política e militares 



* Adenir Siqueira Viana

A crise decorrente da divulgação, pelos três Clubes Militares, de um manifesto relativo às questões suscitadas por declarações de ministras contrárias à Lei da Anistia, tendo como pretexto a Comissão da Verdade – que nenhum militar teme, mas deseja imparcial, buscando a verdade dos dois lados em confronto à época – trouxe à tona um assunto adormecido: a participação militar ostensiva na vida política do País, o que não ocorria desde a redemocratização.
 A exemplo disso, cite-se Dora Kramer, que, em 26 de fevereiro afirmou no artigo “Por quem Serra cedeu”, no jornal O Estado de S.Paulo: “Nostalgia. Os grupos de militares da reserva que reclamaram da falta de censura por parte da presidente Dilma Rousseff às críticas de suas ministras ao governo autoritário queriam o quê? Pelo visto, interditar o direito à livre manifestação, num surto saudosista. Foram obrigados a recuar, chamados à realidade de que estão fora do jogo político desde a volta ao País à legalidade com o fim do regime de exceção.”
 Como Major Brigadeiro da reserva da Força Aérea Brasileira, com quase 42 anos de serviços prestados a este nosso sofrido Brasil, com participação nas enchentes em Tubarão, Projeto RADAM, muitas buscas de aeronaves perdidas, resgates arriscados, comandos como o do Centro Técnico Aeroespacial (CTA), ao qual o ITA se subordina, não poderia deixar de comentar o tema.
 A crer-se na colunista, uma ministra dizer o que bem entende está certo; sua opinião não expressa a opinião do governo, não compromete as posições da presidente, ainda que em desacordo com supostas políticas governamentais ou compromissos presidenciais. O direito de se expressar é sagrado. Mas os Clubes Militares, entidades de Direito Civil (abertos a civis inclusive), por representarem militares não poderiam nem pensar, e menos ainda expor, opinião que desagradasse ao presidente de plantão. Para a jornalista, ao entrarmos para a vida militar, entraríamos na verdade num claustro, com voto de silêncio pelo resto da vida. Toda a nossa vivência, experiência profissional, tudo somado, não poderia contribuir para o aperfeiçoamento institucional da Nação, não seria alerta para correções de rumos, válvulas para controlar a pressão gerada por baixos salários, sistemáticas campanhas de difamação etc.
 E não estaríamos, assim, diante de um desserviço ao Brasil? Ingressei na Força Aérea no início de 1965. Convivi com mais de mil cadetes, na faixa dos 18 aos 24 anos, com aspirações, desejos e esperanças de qualquer jovem da época. Vim de uma família pobre do interior de Minas Gerais. Nos quatro anos como aluno e cadete, que me lembre, ninguém foi preso, torturado ou expulso da Escola da Aeronáutica por razões políticas. Nem a seleção para o ingresso levava em consideração critérios políticos, apenas o mérito.
 É bem verdade que além de não termos tempo, não discutíamos muito política e nem o proselitismo político era tolerado, como, aliás, acontece até hoje. Tudo que não se quer em país nenhum do mundo é Forças Armadas que respondam a interesses de partidos políticos e não do Estado. A História está repleta das consequências que isto acarreta: Gestapo, Exércitos Vermelhos, Forças de Libertação Nacional. Resultado: 6 milhões de judeus mortos, 65 milhões de chineses, 20 milhões de soviéticos (inclusive 7 milhões de ucranianos mortos de fome), 2 milhões de coreanos do norte, 2 milhões de cambojanos, 1 milhão de vietnamitas, 150 mil entre cubanos, nicaraguenses e peruanos, 45 mil na guerra das FARC na Colômbia, a esmagadora maioria, civis (guerra que ainda cobra seu preço em vidas humanas), cerca de 30 mil na Argentina e 3.000 no Chile.
 Aqui tivemos a infelicidade de perder 372 brasileiros mortos ou desaparecidos, fatos atribuídos à Revolução, e 120 pelos terroristas de esquerda. Cerca de 370 militares do Exército participaram nas ações dos DOI – CODI, num efetivo de 150.000 homens. Não me parece que possamos chamar isto de militarização do Brasil. Pelo menos no que concerne à Força Aérea, a política partidária esteve de fora no período revolucionário e assim está até hoje.
 AGuerrilha do Araguaia não foi iniciada pelos militares, mas por integrantes seniores do PCdoB e de grupos terroristas que preferiram o conforto da cidade, mas enviaram jovens para lá. Essa guerrilha estava sendo gestada desde 1961, antes da Revolução. Os militares que a combateram não foram para lá como voluntários, mas no cumprimento da missão de garantir a lei e a ordem.
 A porta dos movimentos terroristas de esquerda só tinha uma via – a da entrada, uma vez que, por segurança, a ninguém era permitido sair vivo. Há como citar vários  “justiçados”. Daí que muitos, como Zé Dirceu, trocaram de identidade, às vezes com o auxílio das Forças de Segurança, e desapareceram.
 Este não é um quadro edificante e teria sido melhor a nação não tê-lo vivido. Gorender, um dos expoentes da esquerda, escreveu que não se vai à guerra para levar flores, e a luta armada promovida pelas esquerdas não deixou dúvidas a esse respeito (ver:http://www.myspace.com/ video/vid/61840367).
 Enquanto as Forças de Segurança do Estado evitaram ao máximo os efeitos da guerra sobre civis inocentes, boa parcela dos mortos e mutilados, provocados por atos terroristas, eram civis. Não jogamos bombas de napalm no Araguaia, não houve prisões em massa – cerca de 2.000, numa população de 100 milhões.
 Querer estigmatizar as Forças Armadas, discriminar seus integrantes, atribuir-lhes crimes que não cometeram é inaceitável. Muito se fala em Herzog, um jornalista, mas nada sobre o operário Fiel Filho, também morto no DOPS de São Paulo. Sua morte, entretanto, acarretou a destituição do Comandante do 4º Exército, Gen. Ednardo D’Ávila, por Geisel, à revelia do ministro do Exército, Gen. Silvio Frota, também destituído depois, num claro recado de que ações daquele tipo não seriam toleradas. 
 Os militares e civis que fizeram a Revolução de 64 tinham um projeto para o País, incluindo-se educação. Lembram-se dos problemas dos “excedentes”? Da falta de vagas nas Universidades? Eu sou testemunha da dificuldade que era estudar neste interior do Brasil na década de 1950, início da de 1960. Em todo o Sul de Minas, que eu soubesse, não existia uma única escola pública além do primário. Meu pai foi um herói ao conseguir manter seus sete filhos na escola; todos obtiveram diplomas de curso superior, feito admirado pela comunidade até hoje.  Saúde? Era para quem tinha dinheiro. Comida? Recebíamos alimentos enviados pelos americanos pelo projeto USAID.
 Inflação nas alturas. Muitos indo à falência, entre os quais meu pai. Ninguém tinha experiência em sobreviver num ambiente inflacionário. O País no caos, com greves, manifestações e a indisciplina incentivada nas Forças Armadas. Brasil indo célere para uma ditadura comunista.
 Havia de escolher-se um lado: soviéticos/comunismo, ou americanos/capitalismo. O povo escolheu os valores ocidentais e foi deflagrada a contrarrevolução, tão bem sucedida que nem um tiro foi disparado.
 Os militares nunca tiveram como propósito se perpetuar no poder, tanto que fizeram uma transição pacífica em 1985 e sem perder o prestígio junto aos brasileiros: permanecem com mais de 70% de aprovação em todas as pesquisas recentes.
 A Argentina destruiu seu poder militar e agora quer discutir as Malvinas com a Inglaterra. Com que cartas vai negociar? Já o Chile dispõe das mais modernas Forças Armadas do continente. A História dirá com quem está a razão. 
 A quem interessa, passados tantos anos, buscar este revanchismo a que estamos assistindo com “Comissão da Verdade Oficial”? Agressões a velhinhos, muitos deles, heróis da Segunda Guerra? O povo brasileiro quer ou precisa disso? E por que não aparecem vozes políticas de bom senso para colocar a discussão nos devidos termos?
Temos um embate assimétrico em curso: de um lado, partidos radicais de esquerda, com o amparo da mídia, e a conivência do governo, ao que parece; de outro, Instituições de Estado –as Forças Armadas, com mais de 70% de aprovação popular. Se as Forças Armadas reagirem, e isso pode acontecer, fatalmente teremos uma crise institucional. Ou, então, veremos, passivamente, uma campanha sistemática de desmoralização do poder militar brasileiro. Isto interessa ao Brasil ou é uma estratégia de poder de um grupo político?
 Afinal, para que servem as Forças Armadas? Para garantir que cada brasileiro viva em paz em nossa terra, objetivo alcançado e que deve ser mantido. A paz, porém, poderá ser ameaçada se grupos radicais insistirem numa linha de confronto.
*  Adenir Siqueira Viana é Major Brigadeiro do Ar da Reserva da Força Aérea Brasileira e professor nos Cursos de Logística e Ciências Aeronáutica da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL