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domingo, 23 de fevereiro de 2014

TESE DE DOUTORADO NA UNB PELO JORNALISTA STUDART E REPERCURSÕES

Guerrilha do Araguaia provoca divisão no PC do B e grupo de Amazonas e Grabois não avisou parte do Comitê Central
Fotos: Wikipedia
João Amazonas, Maurício Grabois (verdadeiro comandante da Guerrilha do Araguaia) e Pedro Pomar: divergências no comando do PC do B
A tese “Em Algum Lugar das Selvas Amazônicas: As Memórias dos Guerrilheiros do Araguaia (1966-1974)”, do jornalista e historiador Hugo Studart, foi apresentada e aprovada na quinta-feira, 20, na Universidade de Brasília (UnB). Na edição passada, o Jornal Op­ção comentou o capítulo 2, “Os silenciados do Araguaia”, que trata de como morreu Arildo Valadão, Ari, e do esfacelamento da Guer­rilha do Araguaia. Nesta edição, são destacadas a divisão do Partido Comunista do Brasil a respeito da luta e a crise com a China (leia texto no link:). Infelizmente, não há espaço para a ótima discussão teórico-filosófica balizada pelo pensamento de Walter Benjamin, Han­nah Arendt e Ernest Bloch.

Em junho de 1964, logo depois do golpe civil-militar, o Comitê Central do PC do B define sua tática revolucionária. “Essa tática centrava-se no deslocamento do trabalho de massa para as áreas rurais, como forma de preparar o início da Guerra Popular Prolongada”, escreve Studart. É a via chinesa. O partido já havia enviado militantes para o treinamento militar em Pequim. Diferenciando-se do Partido Co­munista Brasileiro (PCB), os “chineses” patropis sugerem: “Os problemas do país não serão resolvidos pela via pacífica”. Havia chegado a hora da luta armada, de verniz maoísta. A batalha deveria começar no campo e migrar para as cidades.

No documento “União dos Brasileiros para Livrar o País da Crise, da Ditadura e da Ameaça Neocolonialista”, de junho de 1966, o PC do B chama seus filiados à “guerra popular revolucionária no campo”. Os primeiros militantes são enviados para morar e organizar a luta na região do Araguaia, entre o Norte de Goiás, agora Tocantins, e o Sul do Pará.

Observando os fatos contados pela historiografia oficial do PC do B — que tem sua, digamos, “Araguaiana” —, fica-se com a impressão que o partido, uma dissidência do PCB organizada em 1962, era monolítico e coeso. Não é o que mostra Studart.

Em 1966, “o Comitê Central do PC do B rachou ao meio”. Maurício Grabois, João Amazonas e Pedro Pomar se postaram de um lado, propondo “o início imediato da luta revolucionária”, e obtiveram o apoio de Elza Monerat, Ângelo Arroyo, Carlos Danielli e Manoel Jover Telles (que, dez anos depois, entrega a cúpula do partido ao regime civil-militar). Sugerindo cautela, ficam do outro lado Diógenes Arruda Câmara, Calil Chade, Lincoln Cordeiro Oest, José Duarte e Walter Martins.

Como davam as cartas, Grabois, Amazonas e Pomar resolveram enviar militantes para as margens do RioAraguaia. “Decidiram não revelar o que estavam desencadeando para os demais militantes do partido. Nem mesmo aos camaradas do Comitê Central — erro que só se revelaria mais tarde, quando os militares chegaram ao Araguaia e o partido não mantinha qualquer contato com os guerrilheiros para abastecê-los de suprimentos ou armas. Dentre os dirigentes, sabiam da luta somente sete dos membros da Executiva Nacional do partido.”

Studart nota que a briga não era só de Amazonas, Grabois e Pomar contra os demais líderes, como Diógenes Arruda. Os três brigavam pela hegemonia no PC do B. Os líderes guerreavam internamente e, ao mesmo tempo, procuravam recrutar pessoas, quase sempre jovens, para lutar no Araguaia. Setenta e nove militantes estavam na região em 1971, a “maioria jovens estudantes e profissionais liberais”.

No início da década de 1970, o PC do B e a Ação Popular Marxista-Leninista do Brasil negociam a fusão e decidem que o maoísmo era a “terceira etapa do marxismo”. O “caminho estratégico” é “o da luta armada, através da Guerra Popular”. O PC do B contava com 300 militantes e a APML do B, 100. Com 400 militantes, a maioria não foi enviada ao Araguaia, os comunistas tentaram enfrentar forças militares relativamente preparadas e mais bem equipadas.

O que queriam os jovens guerrilheiros? Dagoberto Costa, o guerrilheiro Miguel, relata: “A década de 1960 significou uma espécie de despertar. O socialismo para nós era visto como o começo do Paraíso. (...) nós tínhamos um sonho, o mesmo de hoje: de um país mais justo, mais digno, e que não tivesse essa quantidade de miseráveis como nós tínhamos. E a opção pela luta armada, de acordo com a pregação dos teóricos do socialismo, naturalmente era a única saído que víamos. (...) acreditávamos que deveríamos partir para a luta armada a fim de resolver todos nossos problemas, como Che Guevara, dispostos a matar e a morrer. Che era nosso ídolo. Mas ninguém pensava seriamente na possibilidade da morte. Apenas tínhamos orgulho de estarmos lutando por um país melhor”.

Os jovens de esquerda, parte pouco enfronhada com questões teóricas — vários viam a teoria como um empecilho à ação —, não aceitavam mais o “pacifismo” do PCB de Luís Carlos Prestes. Queriam a “revolução imediata”. “Quase todos queriam estar na vanguarda. Melhor ainda se na vanguarda da vanguarda”, observa Studart.